
o mestre, o aprendiz e o fruto
UM APÓS O OUTRO. Os dias seguiam-se no mais profundo silêncio. Uns dedicavam-se à arte da tapeçaria, outros giravam em harmonia com o universo, uns meditavam por horas a fio, outros se concentravam nas orações. Cada gesto nascia da intenção de manter o pensamento no mesmo passo dos pés, ligar o céu à terra, o corpo ao espírito. Assim era a rotina daqueles que buscavam a compreensão da verdade.
Apenas ao escurecer, o silêncio era rompido, quando o mestre reunia os seus discípulos e, em roda, contava-lhes uma história.
Numa noite, um dos discípulos indagou:
– Não entendo suas palavras, mestre. Por que nunca nos explica o significado das suas histórias?
– Peço desculpa. Em troca, gostaria de lhe ofertar um pêssego. Aceita?
O discípulo, comovido e grato, aceitou.
– Como prova do meu afeto, posso descascar o pêssego para você?
O discípulo, honrado, fez que sim com a cabeça.
– Já que tenho uma faca em minhas mãos, posso cortar o pêssego em pedaços menores. Não me custa nada e será mais fácil comê-lo assim. É do seu agrado?
O rapaz sorriu.
– Não quero abusar da sua generosidade, mestre querido.
– Absolutamente. Permita-me mastigar os pedaços do pêssego antes de entregá-los?
O discípulo ficou mudo por alguns segundos. Acabou respondendo que não, melhor seria se ele mesmo mastigasse.
O mestre colocou o pêssego ainda inteiro na mão do discípulo:
– Explicar o sentido dos contos é dar de presente uma fruta mastigada.
Desde então, ao cair da noite, quando o silêncio é rompido pela voz do mestre, o discípulo saboreia cada palavra e deixa o mel das histórias pouco a pouco despertar-lhe os sentidos.
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Conto da tradição sufi.
Reconto do livro: uma história e uma história e uma história - contos dos contos da tradição oral, de Ana Gibson e Juliana Franklin. Rio de Janeiro: Folio Digital, 2019.